Nepso Pro: uma forma de as escolas ouvirem seus estudantes durante a pandemia

Rede Conhecimento Social
5 min readNov 3, 2020

por Margarida Gorecki

Para além dos desafios já conhecidos há anos no ensino público brasileiro, em 2020 gestores, educadores, estudantes e toda a comunidade escolar passaram a enfrentar um novo obstáculo, a pandemia de Covid-19, que alterou radicalmente a rotina escolar, interrompeu aulas presenciais, evidenciou a falta de estrutura de muitas redes para o ensino remoto e trouxe à tona novos debates sobre valorização dos professores, manutenção de vínculo, evasão escolar e bem-estar físico e mental do corpo docente e estudantes. Após meses do fechamento das escolas, o debate sobre a reabertura começou a pipocar em meios de comunicação e em estudos e análises, mas raramente a voz dos professores e alunos aparecia de forma ativa, no centro da discussão.

O momento pareceu oportuno para retomarmos o Nepso, uma ferramenta educacional que propõe a participação de professores e estudantes no desenvolvimento de uma pesquisa de opinião sobre um tema de seu interesse, promovendo a construção colaborativa de conhecimento e o desenvolvimento de múltiplas aprendizagens. A metodologia foi criada, implementada, validada e disseminada por Ação Educativa e Instituto Paulo Montenegro/Grupo IBOPE entre 2001 e 2015, e seus efeitos seguiram, com educadores a replicando pelo Brasil e até mesmo outros países.

No contexto da pandemia, o projeto precisaria de adaptações. Assim, surgiu a iniciativa piloto Nepso Pro, no qual os professores de escolas públicas dos anos finais do ensino fundamental e/ou do ensino médio atuariam como pesquisadores para constituir, juntamente com seus pares, uma pesquisa para abordar as inquietações de seus alunos, suas dúvidas, fragilidades e, também, certezas, forças, recursos e meios para que se fortaleçam mutuamente na difícil tarefa que têm pela frente.

Reunidos em uma equipe coordenada por Ana Lucia Lima e composta por Simone André, Carolina Nascimento e Margarida Gorecki, com apoio de Marisa Villi e Fabiana Freitas, começamos o nosso piloto. Após adaptarmos a metodologia e material formativo ao novo contexto, contamos com o apoio valioso dos parceiros Cenpec e Comunidade Educativa CEDAC para fazer a ponte com escolas e indicar educadores e gestores que poderiam se interessar por essa experiência inicial, e da Ação Educativa para, após a conclusão da pesquisa, apoiar as escolas na reflexão sobre como utilizar os resultados.

A ideia foi começar pequeno, com um número reduzido de escolas participantes. Participaram dessa primeira edição 13 educadores de 4 escolas de diferentes cidades: Divinópolis, em Minas Gerais, Ribeira do Pombal, na Bahia, São Paulo e Campinas, no estado de São Paulo. Esta última optou por não seguir adiante na aplicação do questionário por questões internas, embora tenham considerado a formação bastante proveitosa.

Trocas e construção conjunta

Logo no primeiro encontro online, pudemos ver que, embora o grupo fosse bastante heterogêneo, muitas inquietações eram compartilhadas, como o medo da perda de vínculo com os alunos, do acirramento de desigualdades sociais e educacionais, a incerteza sobre o bem estar físico e emocional das famílias e a angústia de não saber quando a rotina escolar se normalizará e como será a recuperação da aprendizagem. Depois de discutir desafios da pandemia, o grupo recebeu orientações básicas sobre pesquisas de opinião, como sua definição e seus diferentes tipos, e decidiu o universo da pesquisa.

O segundo encontro, que aconteceu uma semana depois, contou com a definição da pergunta-guia, que serviria de norte para a pesquisa e foi “como estudantes estão vivenciando a experiência da educação não presencial e o que esperam para o retorno?” Na sequência, a turma discutiu em pequenos grupos as hipóteses que esperavam encontrar, passo este que facilita a criação das perguntas do questionário. O terceiro encontro começou com uma valiosa conversa sobre pertencimento, acolhimento e vínculo do estudante, e seguiu com a discussão de hipóteses que surgiram no encontro anterior, e a construção das perguntas para o questionário, feitas em uma dinâmica em grupos.

A equipe do Nepso Pro montou então o questionário e o circulou entre os professores e também os parceiros. Quando finalizado, o questionário foi disponibilizado online, e cada educador teve inicialmente três semanas para a sua aplicação junto aos alunos. Contudo, no meio do cronograma foi realizado mais um encontro, onde verificou-se a dificuldade dos professores em contatar seus alunos, muitos sem acesso frequente à internet. Para acomodar a todos, o prazo foi estendido, tendo ao todo quatro semanas e meia.

Os resultados, compartilhados apenas entre os participantes e suas escolas, foram muito proveitosos, indicando uma vontade grande dos alunos de aprender e manter a conexão com seus colegas e professores. Além disso, o Nepso Pro foi uma oportunidade para engajar os estudantes com a escola em tempos de afastamento, de forma mais descontraída que com as aulas e atividades remotas. Após a conclusão da tabulação da pesquisa feita pelos professores, a Ação Educativa ainda conduziu alguns encontros com os participantes sobre como as escolas poderiam trabalhar os resultados com os alunos contribuindo assim para um maior impacto do projeto.

Reavivar uma iniciativa que estava há anos parada, sem financiadores e em meio a uma pandemia não foi tarefa fácil. Adaptar o seu formato para o novo momento, tornando o professor em um pesquisador, e não mais um orientador do aluno que pesquisa, também exigiu adaptações, e mostrou-se um movimento muito proveitoso, embora de forma alguma substitua a validade daquele outro processo, centrado no aluno.

Todos os professores viram valor no processo, cada um a seu modo. Eles entenderam que essa escuta tem uma sofisticação que vai além de apenas aplicar um questionário com os alunos e tabular as respostas. Ela abre um diálogo, demonstra interesse pelo ponto de vista do outro e a vontade de pensar junto em um momento de grandes obstáculos.

A experiência do Nepso Pro nos mostrou como o projeto não só é pertinente nos tempos atuais, mas também bem recebido, tanto por professores como pelos alunos participantes. Após os ajustes que a primeira edição evidenciou serem necessários, como um maior número de encontros, avaliamos que podemos ir além, pensando em novos modelos para que o impacto do Nepso Pro seja maior.

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Site: http://www.nepso.net/
E-mails: anapaula.maia@acaoeducativa.org.br ou contato@conhecimentosocial.com

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Organização sem fins lucrativos que tem como missão promover a construção compartilhada de conhecimento conectando pessoas para gerar transformação.