Coletivo Delibera Brasil aplica metodologia de minipúblico para deliberações na sociedade
A mobilidade urbana é um desafio frequente nas cidades brasileiras. Em Ilhéus, na Bahia, o uso de moto-táxi é bastante comum. Apesar de muito usado, o meio de transporte não era regulamentado por nenhuma lei municipal e isso gerava eventuais conflitos entre diferentes segmentos da população. Mas como estipular regras a respeito de uma prática já consolidada, sem dialogar com a sociedade?
A ideia de procurar soluções para problemas como esse, apostando que as decisões que afetam o coletivo precisam ser baseadas no diálogo com cidadãos, levou à criação do Delibera Brasil, coletivo do qual nós da Rede Conhecimento Social fazemos parte.
Foi na I Semana de Mobilidade de Ilhéus a primeira vez que a metodologia deliberativa do minipúblico foi aplicada.
A ideia é reunir de 20 a 30 participantes em sessões sucessivas com três etapas, durante dois dias. A primeira etapa é a informativa, quando os participantes recebem informações do contexto do problema, ouvem especialistas, fazem perguntas e tiram dúvidas.
Depois é a hora do debate, quando há a interação entre os participantes, com moderação para reforçar regras deliberativas. No momento final, da consolidação, os participantes registram o resultado da deliberação.
Para nós, tem sido muito interessante integrar este coletivo, em que os aprendizados são diversos: entramos em contato com uma multiplicidade de pessoas, em diferentes contextos, articulamos grupos e contribuímos com o desenvolvimento de métodos que apoiem o fortalecimento da participação social e da democracia. No caso de Ilhéus, o resultado foi muito animador, pois o poder público levou em consideração todas as deliberações emitidas pelo grupo, para a construção de um projeto de lei municipal. Isso confirmou nossa hipótese de que o processo deliberativo do minipúblico é uma forma de produção colaborativa de conhecimento que visa gerar transformação, o que dialoga diretamente com nossa missão social.
Dividimos com você um pouco mais sobre o trabalho que temos realizado, a partir de uma conversa com a Silvia Cervellini, idealizadora do Delibera Brasil.
Como surgiu Delibera Brasil?
Eu trabalhei com pesquisa de opinião pública e política, durante muitos anos no IBOPE. Depois atuei também em pesquisa de mercado, marketing político e governos. Com o passar do tempo comecei a ficar um pouco incomodada com algumas tendências do comportamento da sociedade.
Sentia que as discussões estavam um pouco superficiais. Decisões para temas difíceis eram realizadas pela emoção. Quando cursei uma disciplina de pós-graduação de Participação e Inovações Democráticas, entrei em contato com a metodologia do minipúblico .
A participação pode ocorrer de várias formas, como assembleias e manifestações. Mas no minipúblico, a proposta é fazer um exercício de deliberação cidadã, que é um tipo diferente de participação, que pressupõe a interação e troca de argumentos entre envolvidos para chegar a uma decisão conjunta. Eu fiquei muito encantada, porque o minipúblico poderia trazer a solução para questões que estavam me incomodando. Eu decidi conversar com algumas pessoas que poderiam ter afinidade com essa ideia para montar um coletivo e tentar disseminar a prática no Brasil.
Foi assim que o Delibera Brasil foi fundado, em fevereiro de 2017, reunindo onze cidadãos e cidadãs, profissionais de diferentes áreas, que apostam na deliberação cidadã, viabilizada através de minipúblicos, como ingrediente fundamental para fortalecer e aprofundar a democracia brasileira.
O que são os minipúblicos?
Também conhecidos como Júris de Cidadãos, os minipúblicos são compostos por um grupo pequeno de cidadãos comuns e leigos no tema, recrutados através de técnicas de amostragem (sorteio e cotas), representando o público geral, a fim de viabilizar uma deliberação. Ou seja, uma decisão a respeito de um tema. Esse pequeno grupo tem um tempo para aprender sobre o assunto que está sendo debatido.
A deliberação pressupõe que as pessoas tenham informações para se aprofundar no tema. Como isso geralmente não acontece espontaneamente, o minipúblico permite que os participantes conversem com especialistas (também chamados de testemunhas), conheçam debates que já existem e sejam apresentados a argumentos que abordem diferentes perspectivas sobre a assunto.
Durante a formação os participantes são motivados a interagir com os especialistas, questionar as informações e argumentos e relacioná-las com as experiências e saberes do grupo, aprofundando a discussão. Todo processo visa ganhar base para decidir sobre determinada questão.
No segundo dia todo o conhecimento compartilhado e incorporado pelos cidadãos é transformado em uma deliberação, quando o grupo de cidadãos produz e entrega uma decisão. Ao final o minipúblico elabora documento com a decisão ou recomendações, assim como os argumentos e informações que as embasaram. Esse é outro aspecto positivo do minipúblico: não é uma participação que busca apenas levantar ideias e preferências, mas visa a solução, ou um produto final que indica os caminhos da decisão informada.
Criados por Ned Crosby em 1971, minipúblicos ganharam designs variados no mundo e são uma inovação democrática que tem ganhando cada vez mais espaço no contexto de crise da democracia representativa. Um dos casos recentes mais emblemáticos é a Assembleia Cidadã da Irlanda [1] que se reuniu e deliberou por 5 sessões entre 2016 e 2017 recomendando a aprovação da emenda constitucional para legalização do aborto e sendo sucedida pelo Referendo popular que confirmou esse resultado em 2018.
Como foi a experiência em Ilhéus?
O Delibera estava procurando um parceiro para realizar o piloto do minipúblico no Brasil. A Rede Conhecimento Social tinha contato com o Instituto Nossa Ilhéus, que estava organizando a Semana de Mobilidade de 2017 e vimos a oportunidade de fazer o primeiro minipúblico, para deliberar a questão da regulamentação do moto-táxi.
Há uma regulamentação federal que vai até certo ponto, mas depois os municípios precisam criar suas próprias leis. Conseguimos reunir dez cidadãos e diversificar bem, desde uma senhora de 80 anos, até universitários de 19, homens e mulheres, de vários bairros e escolaridades.
Ficamos contentes, porque o Secretário de Transporte, que elaborou o projeto de lei, disse que se baseou bastante nas recomendações do minipúblico. O Instituto Nossa Ilhéus nos enviou todo o material e realmente vemos que as discussões serviram para estruturar a regulamentação municipal.
Conseguimos não somente realizar a deliberação, como também acompanhar o processo da construção do projeto, que vai passar na Câmara e ser aprovado. Podemos dizer que a lei de moto-táxi de Ilhéus tem participação e deliberação cidadã.
Vocês já tiveram outras experiências depois disso?
Recentemente promovemos uma deliberação no Jardim Lapenna, bairro do distrito de São Miguel Paulista, em São Paulo (SP), em parceria com a Fundação Tide Setubal. Várias questões referentes ao Plano de Bairro envolviam decisões difíceis. Por isso fizemos o minipúblico para deliberar recomendações sobre a requalificação da principal rua do bairro.
Aprendemos muito com essas duas experiências e confirmamos o minipúblico como uma ferramenta importante, viável e impactante. Agora estamos montando estratégias para inserir os minipúblicos no planejamento municipal, principalmente nos planos diretores e nos planos temáticos que já constam como processos obrigatórios.
Acreditamos que o formato é interessante, porque é diferente de uma audiência pública, quando as pessoas apenas ouvem. O minipúblico informa e dá a possibilidade de cidadãos tomarem uma decisão coletiva mais sustentável.